Obrigado, Eric.
Obrigado por lembrar que existe um limite muito fino entre a falta de bom senso e a falta de sensibilidade. E que, claro, esse limite beira a falta de educação.
Obrigado por dar a chance de uma pequena aula sobre respeito, humildade, integridade e princípios de alguém que entende e sabe bem a diferença (e os significados) de derrota e fracasso.
Eric Nehm é um jornalista do ‘The Athletic’, um respeitado portal de esportes dos EUA. Não o conheço e não estou aqui para julgá-lo. Mas cabe uma reflexão sobre sua ‘participação’ no vídeo que viralizou essa semana.
O vídeo em que Giannis Antetokounmpo, astro do Milwaukee Bucks (NBA), fala sobre a ‘precoce’ eliminação nos Playoffs após ser questionado se o revés teria sido um ‘fracasso’ – precoce e fracasso entre parênteses porque os Bucks entraram na pós-temporada como líderes do Oeste e um dos favoritos ao título – rodou as redes sociais colocando Eric Nehm em situação pouco confortável. Foi ele quem fez a pergunta…
Giannis respirou fundo, deixou a emoção de lado, e lembrou que o mesmo jornalista havia feito essa mesma pergunta no ano anterior – sendo que os Bucks foram campeões em 2021. E, bem, então veio a resposta que gerou críticas e opiniões sobre o questionamento e a conduta do repórter.
O que muitos viram como lição de moral de Giannis, eu vejo como um desabafo educado. Educado, sim, ponderado, equilibrado e até certo ponto surpreendente. E vejo como uma resposta para milhões, não apenas para Eric. Porque o natural seria até que o grego (ou qualquer um em sua situação) respondesse de forma ríspida, em tom até agressivo, ou até mesmo não respondesse. Muitos teriam levantado e deixado a sala de coletiva (já vimos isso acontecer inúmeras vezes).
Trabalho com atletas há mais de 25 anos. Tive (e tenho) a sorte e o privilégio de ter trabalhado – e ainda trabalhar – com alguns dos melhores atletas olímpicos do mundo. E foram muitos. Mas, antes de serem heróis nacionais, ídolos, craques, são pessoas como outras quaisquer. Pessoas que possuem talentos diferenciados, mas não são super-heróis e, apesar de enxergarmos eles assim, isso é um erro. Atletas são serem humanos, com sentimentos, dias bons, dores, dias ruins, problemas…
Aqui no Brasil, temos uma cultura de cobranças exageradas, de imputar responsabilidades desmedidas, amplificar erros e falhas ao invés de valorizar esforço, dedicação e renúncia. O sonho de um atleta só vira sonho de um país depois de muitos anos, depois de muita entrega que, na maioria das vezes, não teve tanta ajuda assim para ter tanta cobrança. E assim uma derrota vira fracasso. Dá para listar vários nomes que passaram por isso: Rafaela Silva (judô), Emanuel Rêgo (vôlei de praia), Diego Hypólito (ginástica artística) e Bruno Fratus (natação) são apenas alguns.
Como disse Giannis, tudo faz parte de um processo. São etapas. Derrotas, erros ou ‘fracassos’ fazem parte do crescimento, do amadurecimento, são etapas importantes para conquistas e para o sucesso. Aqui no Brasil ainda vivemos a cultura do ‘vice ser o primeiro dos últimos’, onde o atleta não tem o direito de falhar, de perder, ou melhor, de não vencer.
Giannis foi cirúrgico. É chato dizer isso, mas alguns colegas da imprensa – e, só para ficar claro, sou jornalista, sou ‘imprensa’ também – às vezes fazem valer do ‘poder da caneta’ para expor, para pressionar, até mesmo para diminuir um personagem em momentos de crise ou fragilidade. É uma espécie de soberba difícil de explicar e não é porque há uma vidraça pela frente que se deve atirar as pedras.
Eu veria a pergunta de Eric como algo normal, não fosse pela recorrência. Para mim ela teve um tom mais forte de crítica do que apenas um questionamento puro – e ele fez a mesma pergunta ao técnico, Mike Budenholzer também, que não aceitou o termo ‘fracasso’.
Há formas e maneiras de se fazer uma mesma pergunta. Ouvi isso de um chefe na redação uma vez. E ele estava certo. Não é preciso intimidar ou humilhar para se fazer bem o trabalho de jornalista. E há muitos colegas por aí que são exemplos disso, que não precisam usar de sarcasmo ou de arrogância para uma crítica ou conduzir uma entrevista.
‘Você vê essa temporada como um fracasso?’… ou ‘Como você avalia essa temporada?’ A princípio, me parece o clássico caso de formas diferentes de fazer a mesma pergunta. Mas o tom é diferente.
Não estou aqui para dar aula de bom jornalismo, longe disso, mas situações como essas incomodam todo jornalista porque criam uma zona de desconforto para todos os profissionais, em especial para Eric, que ganha agora esse ‘rótulo’ entre a imprensa americana.
Esse episódio me lembrou a pergunta que foi feita a Vitor Pereira, quando ainda era técnico do Corinthians, sobre quem mandava em casa, se ele ou sua esposa. Não pelo tom, que foi muito mais irônico/jocoso, mas pela falta de sensibilidade, de respeito, por ter sido gratuito.
Bom, Eric. Agora você já sabe: não faça mais essa pergunta.
Ou melhor, na próxima vez, faça de outra maneira.